Historicamente, as mulheres enfrentaram barreiras quase intransponíveis para atuar nas artes. Esse contexto histórico é explorado no livro A História da Arte sem os Homens, de Katy Hessel. A autora inicia com um recorte a partir do Renascimento, um período marcado por transformações artísticas e culturais significativas. Isso, no entanto, não significa que não existam obras de mulheres em períodos anteriores; apenas evidencia que nossas contribuições foram frequentemente esquecidas ou ignoradas.
A autora relata que ser mulher e artista era um enorme desafio, especialmente durante os séculos XVI e XVII, quando as normas sociais limitavam drasticamente as possibilidades de expressão criativa feminina. Enquanto escultores e pintores homens eram exaltados como “virtuosos”, as mulheres, mesmo aquelas com talento equivalente, raramente recebiam o mesmo reconhecimento.
Elas enfrentavam exclusões sistemáticas: não podiam frequentar academias, estudar anatomia com modelos vivos, e suas obras eram rotuladas como inferiores, relegadas ao artesanato ou ao design, consideradas “menores” pela elite artística da época.
Linda Nochlin, uma das principais historiadoras de arte, descreveu essa exclusão como uma privação comparável à de um estudante de medicina proibido de dissecar corpos humanos. Além disso, algumas obras de mulheres foram apropriadas, tendo suas assinaturas apagadas e substituídas pelos nomes de artistas homens, perpetuando a invisibilidade feminina no mundo das artes.
Contudo, apesar de todos os desafios, muitas mulheres conseguiram se destacar. Entre essas pioneiras está Properzia de’ Rossi, uma escultora renascentista que desafiou as convenções e se tornou um ícone.
A vida e obra de Properzia de’ Rossi (1490–1530)
Escultora de talento notável, ela se destacou em um campo quase exclusivamente masculino, desafiando convenções e barreiras sociais de sua época. Nascida em Bolonha, uma cidade reconhecida por sua atitude progressista em relação às mulheres, Properzia teve a sorte de encontrar um ambiente mais acolhedor para o desenvolvimento de sua carreira, algo raro no período.
Ela começou a ganhar notoriedade com esculturas pequenas e elaboradas, como peças feitas em caroços de frutas.
No entanto, foi sua obra José e a Mulher de Potifar, um relevo vívido em mármore encomendado para a Basílica de São Petrônio, que consolidou seu nome na história da arte. Properzia foi a primeira mulher a receber uma encomenda de tal magnitude em Bolonha, um feito que reflete tanto seu talento quanto a receptividade única da cidade.
Tamanha foi sua importância que Giorgio Vasari, o célebre biógrafo do Renascimento, incluiu Properzia em seu livro As Vidas dos Melhores Arquitetos, Pintores e Escultores Italianos (1550). Sua presença nessa obra é um reconhecimento raro para uma mulher no período, destacando-se como um testemunho de seu talento.
Entretanto, mesmo em uma cidade progressista como Bolonha, Properzia era mais uma exceção do que uma regra. Após sua morte, a cidade permaneceu sem registros de outras escultoras por mais de dois séculos, reforçando que sua presença foi vista como uma concessão temporária e não como uma mudança estrutural.
O Legado de Properzia de’ Rossi
O legado de Properzia nos inspira a continuar explorando e celebrando a presença feminina nas artes. Sua história nos desafia a refletir: quantas mulheres igualmente geniais foram silenciadas ao longo dos séculos? E, mais importante, o que podemos fazer para garantir que as artistas de hoje e de amanhã sejam vistas, ouvidas e lembradas?
Vale muito a pena assistir ao vídeo do canal do YouTube da Patricia Carmargo, onde você encontrará detalhes incríveis sobre as obras mencionadas e também sobre a vida de Properzia de’ Rossi!
Referência: HESSEL, Katy. A história da arte sem os homens. Tradução de Marina Vargas. 1. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2024.
