
“Lugar de Fala” de Djamila Ribeiro, publicado na coleção “Feminismos Plurais”, inicia sua apresentação explicitando o objetivo de tornar acessíveis questões importantes referentes aos mais diversos feminismos.
A obra destaca imediatamente a importância do feminismo negro e a necessidade de divulgar a produção intelectual de mulheres negras, colocando-as na condição de sujeitos políticos e seres ativos que vêm historicamente fazendo resistência e reexistências.
A autora ressalta que, ao contrário do que se costuma dizer, o feminismo negro não busca cisões, mas sim romper com a hierarquização das opressões, como “raça, classe e gênero”.
Assim, ao nomear as opressões de forma indissociável, o feminismo negro busca, na verdade, “pensar projetos, novos marcos civilizatórios, para que pensemos um novo modelo de sociedade“.
CONTEXTO HISTÓRICO
O livro dedica um espaço essencial à luta histórica de mulheres negras para serem reconhecidas como sujeitos políticos, começando por Sojourner Truth, abolicionista e ativista afro-americana do século XIX.
Seu discurso mais conhecido, “E eu não sou uma mulher?” (proferido em 1851), já evidenciava o dilema que o feminismo hegemônico viria a enfrentar: a universalização da categoria mulher.
Djamila nos demonstra que o debate sobre a intersecção de opressões já vinha sendo feito desde a primeira onda do feminismo, mas foi historicamente invisibilizado.
A obra também aborda o conceito do “Outro” de Simone de Beauvoir (em O Segundo Sexo), que define a mulher em oposição ao homem, e aprofunda a discussão com a reflexão da escritora Grada Kilomba. Para Kilomba, a mulher negra é o “Outro do Outro”, ocupando uma posição ainda mais marginalizada e sendo a “antítese de branquitude e masculinidade”.
LUGAR DE FALA: CONCEITO
O conceito de lugar de fala é construído na obra a partir da teoria do Feminist Standpoint (Ponto de Vista Feminista) de Patricia Hill Collins. Collins argumenta que o ponto de vista refere-se a “experiências historicamente compartilhadas e baseadas em grupos”.
Assim, lugar de fala não é sobre experiências individuais, mas sobre as condições sociais que constituem esses grupos e como a localização social, marcada por “raça, gênero, classe e sexualidade”, restringe oportunidades e influencia a produção de conhecimento.
Reivindicar o direito à existência digna e à voz é, na verdade, “reivindicar o direito à própria vida”, pois a história tem demonstrado que a invisibilidade social “mata”.
O lugar de fala, portanto, é um movimento político e ético que busca desestabilizar o regime de autorização discursiva, rompendo com a hierarquia que confere legitimidade apenas a quem está em posição de poder.
Intelectuais mencionadas no livro:
O livro articula teoria e prática a partir de importantes intelectuais, em sua maioria mulheres negras e/ou do pensamento decolonial, que questionam o pensamento hegemônico, criticam a universalidade do feminismo branco e destacam a importância de reconhecer o lugar específico de fala dentro das estruturas sociais:
- Sojourner Truth
- bell hooks
- Audre Lorde
- Patricia Hill Collins
- Lélia Gonzalez
- Linda Alcoff
- Gayatri Spivak
- Grada Kilomba
- Sueli Carneiro
- Simone de Beauvoir
Trago aqui duas citações extraídas do livro para reflexão:
Sojourner Truth: “Eu capinei, eu plantei, juntei palha nos celeiros e homem nenhum conseguiu me superar! E não sou uma mulher? Eu consegui trabalhar e comer tanto quanto um homem quando tinha o que comer e também aguentei as chicotadas! E não sou uma mulher? Pari cinco filhos e a maioria deles foi vendida como escravos. Quando manifestei minha dor de mãe, ninguém, a não ser Jesus, me ouviu! E não sou uma mulher?”
Lélia Gonzalez: “O lixo vai falar, e numa boa.”
E você? Já leu este livro? Se ainda não, aproveite a oportunidade. É fundamental lermos e divulgarmos o pensamento crítico das nossas autoras brasileiras.